terça-feira, 7 de julho de 2009

O Poder do Sonho

Rose Monteiro de NY

Rose é uma amiga de muitos e muitos anos. Há alguns bons anos ela reside nos EUA, trabalha numa companhia de aviação e vive voando por este mundão de meu Deus. Nós nos falamos por e-mail, msn e, às vezes, nos encontramos.
Outro dia, motivada pelos textos sobre Ribeirão que ando colocando no blog, ela enviou-me este texto falando da sua chegada em Ribeirão.
Obrigado.

A Estudante
A chegada na rodoviária de Ribeirão Preto foi histórica para mim. Depois de nove horas de viagem naquele ônibus da Viação Andorinha…eu sim me senti um pássaro libertado da gaiola, prontinha para voar. Eu tinha 17 anos…e para mim isso era o que era a cidade grande! Ribeirão Preto, 1973!
A capital do Café se preparava para receber a rainha da cocada, eu!
Bem-vinda à Unaerp! Puxa, soava como nome de escola importante… E assim eu abracei essa cidade, que mais do que poderia ser, foi pra mim um ícone de tempo, espaço e sonhos de menina.
Migrante de Presidente Prudente, cheguei para estudar.Cheia de sede, queria aprender jornalismo…
Agarrei o livro das Paginas Amarelas e. deitada no chão de um quarto de pensão na Visconde de Inhaúma, copiei todos os endereços que traziam no titulo “agencia de propaganda”, “propaganda”, “anúncios de propaganda”, “propaganda e jornalismo”, etc…etc… Acabei com um listão, que me deu o que fazer pela semana afora…
Bati de porta em porta…Era meu primeiro ano na Faculdade e queria trabalhar! Queria correr atrás do meu sonho na cidade grande, queria desafiar a dificuldade, ser alguém, queria saber de meu tamanho…queria isso, queria aquilo, queria e queria…
Com muitas portas gentilmente batidas na cara e um melhor senso de realidade, voltava para casa todo dia cabisbaixa, mas sem desanimar…Deixe estar!, pensava comigo. Amanhã começo tudo outra vez!
E não foi por acaso, que num desses dias belos, acabei reconhecida para um cargo de “estagiaria”! Era uma agência de propaganda de verdade, de nome GG Propaganda! Meu Deus! não é que me queriam?
Pense sobre a felicidade! Esse era o meu retrato…dia apos dia, depois de um expediente onde de tudo se fazia, desde arriscar escrever um texto, posar pra fotos de varejão, fazer café pro pessoal, jogar conversa fora, ser incluída numa reunião importante da Redação…Valia tudo!
Ribeirão era pura felicidade…voltava para a pensão caminhando pela Nove de Julho, cantarolando, céu sempre azul, roseado nos finais de tarde…o frescor das arvores, o comecinho da noite e sempre a promessa de um futuro…de uma novidade… de um novo amigo…aquilo mesmo que só quem vem de fora, de mais longe, de cidade menor, pode deliciosamente experimentar...

O Sino da Matriz

No centro da cidade tem o sino –
O sino da matriz,
Badalando dia e noite,
Badalando alto e forte;
Anunciando aos fiéis e infiéis
Que o tempo esta passando
E não volta nunca mais.
Texto de Bia Nogueira publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07

Numa esquina do centro

Parado, numa esquina do centro, esperando o semáforo me autorizar a travessia da avenida, não percebi que entre a terra e o céu pairava sobre nós a verde ramagem de uma esplêndida sibipiruna. Sob meus pés, depois notei com espanto, a grossa e macia camada dos dejetos noturnos daquelas famílias aladas que habitam os andares mais altos das árvores e que não eram anjos, não, mas nossas queridas “margosas”, ou pombas, como querem os mais exigentes de exatidão.
Não me dirigia a nenhum encontro protocolar, tampouco a qualquer tipo de reunião formal, com pessoas gradas ou graves. Meu destino, naquele momento e por sorte minha, era o estacionamento, onde deixara o carro duas horas antes.
Os mais velhos continuam afirmando que do céu só coisa boa pode cair: a chuva benfazeja, o maná que alimenta, ou penas de anjos, que se coçam distraidamente sentados nas nuvens. Tenho o maior respeito pelos mais velhos, mas desde hoje cedo me julgo no direito de não lhes dar crédito nenhum. Nem tudo que vem do alto tem parentesco com o anjo Gabriel.
Foi o que vi assustado quando senti em meu peito, quase dentro do bolso da camisa, o pequeno baque quase surdo seguido de uma sensação de umidade na altura de meu mamilo esquerdo, bem do lado do coração.
Estive a ponto de repetir essas asnices que nos vêm à mente em ocasiões semelhantes: “Não dou sorte na vida”, “Só comigo, mesmo, estas coisas acontecem”, “Por que justo comigo, meu Deus do céu?”.
O semáforo me autorizou a passagem para o lado de lá, mas não saí do lugar, inteiramente paralisado por grave problema ecológico a fervilhar em minha cabeça. Olhava meio abestalhado para aquela pequena mancha quente, escura e úmida, como se estivesse diante das chagas de Cristo com a responsabilidade de cicatrizá-las. As orelhas de todas as autoridades civis, eclesiásticas e militares do município de Ribeirão Preto devem ter esquentado muitos graus acima do normal naquela hora. Moramos sem reclamar na cloaca das pombas?, perguntei-me indignado.
Com o passar das horas, e enquanto esperava o semáforo mudar de atitude (pois sentia-o muito hostil), tentei pensar com mais calma sobre as causas de tudo aquilo e acabei chegando a alguma reflexão ainda possível a respeito da ação humana como piolho do planeta. Aliviado de todo o rancor inicial, lembrei-me de que fomos nós quem primeiro invadimos o espaço delas; derrubamos suas árvores, botamos fogo em seus ninhos e roçamos suas capoeiras. Sua opção de sobrevivência foi invadir, por sua vez, nosso espaço.
Já era quase noite quando cheguei finalmente ao estacionamento. Vinha pelo caminho pensando nas muitas titicas que o homem tem de suportar como conseqüência de suas próprias ações. E foi assim que me lembrei de asiáticos, africanos, árabes e latino-americanos fazendo cocô, que nada tem de angélico (mas que bendito cocô!), na casa dos outros.
Benditas sois vós, pombas de minha cidade, que ainda podeis ensinar-nos muitas lições sobre a vida.

Texto de Menalton Braff publicado no Guia Centro de Ribeirão - Edição Março 07